SOMOS TODOS IRMÃOS — e no entanto preciso a cada dia de charuto, de açúcar, de espelho e de outros objetos em cuja fabricação meus irmãos e minhas irmãs, que são meus semelhantes, sacrificaram e sacrificam sua saúde; e sirvo-me destes objetos, e até os reclamo como meu direito.
SOMOS TODOS IRMÃOS — e no entanto ganho a vida trabalhando num banco, ou numa casa de comércio, num estabelecimento cujo resultado é tornar mais custosas todas as mercadorias necessárias a meus irmãos.
SOMOS TODOS IRMÃOS — e no entanto vivo e sou pago para interrogar, julgar e condenar o ladrão e a prostituta, cuja existência resulta de todo meu modo de viver e a quem não se deve, como sei, condenar ou punir.
SOMOS TODOS IRMÃOS — e vivo e sou pago para recolher impostos dos trabalhadores carentes e empregá-los para o bem-estar dos ociosos e dos ricos.
SOMOS TODOS IRMÃOS — e sou pago para pregar aos homens uma suposta fé cristã, na qual eu mesmo não creio, e que os impede de conhecer a verdadeira fé; recebo salário como padre, como bispo, para enganar os homens nas questões, para eles, mais essenciais.
SOMOS TODOS IRMÃOS — mas não forneço ao pobre senão por dinheiro meu trabalho de pedagogo, de médico, de literato.
SOMOS TODOS IRMÃOS — e eu me preparo para o assassinato; aprendendo a assassinar, fabrico armas, pólvora, construo fortalezas e por isso sou pago.
(Leon Tolstói - O Reino de Deus Está Dentro de Vós).